De vez em sempre, o futebol brasileiro insiste, impiedoso, em nos maltratar.
Gramados péssimos. Dirigentes macarrônicos, caricatos, que só puxam sardinha para seu lado, ao invés de pensarem no todo, no produto, em si. Arbitragens risíveis. Calendário que prejudica de mil maneiras, inclusive, na banalização, pelo excesso puro e simples, e impede a edificação de determinado tipo de momentum, calcado, também, numa espécie de falta. Jogos cercados de expectativa que terminam esvaziados pela mania sistemática de nossos clubes pouparem no certame de pontos corridos. Debates em coletivas e em entrevistas em geral pobres intelectualmente, reflexos vívidos do que Schopenhauer trataria como domínio da Vontade sobre o intelecto, feito pela primeira de mero joguete, em nome dos traços volitivos que nos comandam, do fanatismo cego.
Então, eis que surge um Palmeiras e Botafogo, qual o de ontem, para nos lembrar: o esporte bretão tupiniquim pode, com muito mais frequência, ser grandiloquente, um esplendor, um retrato da mais pura beleza. Que confronto! Quanta emoção!
Estética, psicologia, embate de xadrez com peças movidas brilhantemente por mentores inteligentíssimos na coisa toda – no caso, Artur Jorge e Abel Ferreira. Conforme diriam na Internet, “pure cinema”. Na linha do que cravaria meu amigo Capo Júnior, “cinco estrelas no Letterboxd”. Falando da sétima arte, um enredo e, sobretudo um desenvolvimento, digno de Bergman, Tarkovski, Fellini, Buñuel – pelas pitadas de surrealismo –, Antonioni…
Sim, vira e mexe me pego com uma mistura de sentimentos sobre minha profissão. Seria o “Beautiful Game” algo menor, entre outros fatores, pelas discussões paupérrimas que o cercam? Talvez. Independentemente disso, a partida do ano no nosso território, na esteira do que acontece aqui e acolá, surgiu para lembrar que faço aquilo que amo, que sou um privilegiado de, com essa modalidade, invariavelmente sinônimo de epopeias da condição humana, trabalhar.
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